quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Sanãtana-dharma

Sanãtana-dharma

Srila Prabhupada



A palavra religião é um pouco diferente de sanãtana-dharma. Religião está relacionado a fé, e a fé
pode mudar. Pode-se ter fé num determinado processo, mas pode-se mudar de fé e adotar outra, ao
passo que sanãtana-dharma refere-se à atividade que não pode mudar. Por exemplo, a água é
sempre líquida e o fogo sempre transmite calor. De modo semelhante, não se pode tirar da entidade
viva sua função eterna. Sanãtana-dharma é eternamente uma parte integral da entidade viva.


Quando falamos de sanãnatana-dharma, portanto, devemos estar certos de que, baseados na
autoridade de Sripãda Rãmãnujãcãrya, estamos nos referindo a algo que não tem começo nem fim.
Aquilo que não tem fim nem começo na certa não é sectário, pois não pode limitar-se a quaisquer
fronteiras.

Aqueles que pertencem a alguma fé sectária considerarão erroneamente que
sanãtana-dharma também é sectário, mas se nos aprofundarmos no assunto e o estudarmos à luz
da ciência moderna, é possível vermos que sanãtana-dharma é a atividade de todas as pessoas do
mundo - aliás, de todas as entidades vivas do Universo.

Uma fé religiosa não-sanãtana pode ter algum início nos anais da história humana, mas não há
início para a história de sanãtana-dharma, porque ele acompanha eternamente as entidades vivas.
Quanto às entidades vivas, os sãstras autorizados afirmam que a entidade viva não tem nascimento
nem morte. No Gitã, afirma-se que a entidade viva nunca nasce e nunca morre. Ela é eterna e
indestrutível, e continua a viver após a destruição de seu corpo material temporário.

Com referência ao conceito de sanãtana-dharma, devemos tentar entender o conceito de religião,
recorrendo ao significado contido na raiz sânscrita desta palavra. Dharma refere-se àquilo que é
inerente a determinado objeto. Concluímos que junto com o fogo há calor e luz; sem calor e luz a
palavra fogo não faz sentido. Do mesmo modo, devemos descobrir a parte essencial do ser vivo,
aquela parte que sempre o acompanha. Aquilo que sempre o acompanha constitui sua qualidade
eterna, e essa qualidade eterna é sua religião eterna.

Quando Sanãtana Gosvãmi perguntou a Sri Caitanya Mahãprabhu sobre a svarupa de todo ser vivo,
o Senhor respondeu que a svarupa, ou posição constitucional, do ser vivo é prestar serviço à
Suprema Personalidade de Deus. Se analisamos esta afirmação do Senhor Caitanya, facilmente
podemos ver que todo ser vivo está constantemente ocupado em prestar serviço a outro ser vivo.
Um ser vivo serve a outro ser vivo em várias intensidades. Com este procedimento, a entidade viva
desfruta da vida.

Os animais inferiores servem aos seres humanos, assim como os servos servem a
seu amo. A serve ao amo B, B serve ao amo C, e C serve ao amo D e assim por diante. Nessas
circunstâncias, podemos ver que um amigo serve a outro amigo, a mãe serve ao filho, a esposa
serve ao marido, o marido serve à esposa e assim por diante. Se continuarmos pesquisando neste
espírito, veremos que, na sociedade dos seres vivos, não há exceção à atividade que consiste em
servir. O político apresenta ao público seu manifesto para convencê-lo de sua capacidade de prestar
serviço. Os eleitores, portanto, dão seus valiosos votos ao político, pensando que ele prestará
valioso serviço à sociedade. O vendedor serve ao freguês, e o artesão serve ao capitalista. O
capitalista serve à família, e a família serve ao Estado, caracterizando a eterna posição do ser vivo
eterno. Dessa maneira, podemos ver que não há sequer um ser vivo que deixe de prestar serviço a
outros seres vivos, e portanto podemos concluir com segurança que o serviço acompanha
constantemente o ser vivo e que a prestação de serviço é a religião eterna do ser vivo.

Todavia, o homem, sob influência do tempo e circunstância particulares, professa pertencer a
determinada espécie de fé e com isso alega ser hindu, muçulmano, cristão, budista ou um membro
de alguma outra seita. Tais designações não são sanãtanã-dharma. O hindu pode mudar de fé e
tornar-se muçulmano; o muçulmano pode mudar de fé para tornar-se hindu; um cristão pode mudar
de fé e assim por diante. Mas, em nenhuma dessas circunstâncias, a mudança de fé religiosa afeta
a ocupação eterna que consiste em prestar serviço aos outros. Em todas as circunstâncias, o hindu,
o muçulmano ou o cristão são servos de alguém. Logo, professar uma determinada espécie de fé
não é professar o sanãtanã-dharma. Prestar serviço é sanãtanã-dharma.

De fato, através do serviço relacionamo-nos com o Senhor Supremo. O Senhor Supremo é o
desfrutador Supremo,e nós, entidades vivas, somos seus servos. Somos criados para lhe dar
prazer, e se participamos nesse prazer eterno da Suprema Personalidade de Deus, tornamo-nos
felizes. Não há outro processo que nos traga felicidade. Não é possível ser feliz independentemente,
assim como nenhuma parte do corpo pode ser feliz sem cooperar com o estômago. Não é possível
que a entidade viva seja feliz deixando de prestar transcendental serviço amoroso ao Senhor
Supremo.

No Bhagavad-gitã, não se aprova a adoração a diferentes semideuses ou a prestação de serviço a
eles. Afirma-se no Sétimo Capítulo, vigésimo verso: ”Aqueles cuja inteligência foi roubada pelos
desejos materiais rendem-se aos semideuses e prestam adoração através de determinadas regras e
regulações que se coadunam com suas próprias naturezas.” Aqui, afirma-se com toda a franqueza
que aqueles que se deixam levar pela luxúria adoram os semideuses, e não o Supremo Senhor
Krishna. Quando mencionamos o nome Krishna, não nos referimos a algum nome sectário. Krishna
significa o prazer mais elevado, e confirma-se que o Senhor Supremo é o reservatório ou depósito
de todo o prazer. Estamos todos desejando o prazer. Ãnanda-mayo ‘bhyãsãt (vedanta-sutra 1.1.12).
Como o Senhor, as entidades vivas são plenas de consciência, e elas estão buscando a felicidade.
O senhor é perpetuamente feliz, e se as entidades vivas associam-se com o Senhor, cooperam com
Ele e tornam-se Seus companheiros, então elas também se tornam felizes.

O Senhor desce a este mundo mortal para mostrar os passatempos que Ele executa em Vrndãvana,
que são cheios de felicidade. Quando o Senhor Sri Krishna esteve em Vrndãvana, Suas atividades
com seus amigos vaqueirinhos, com Suas amigas donzelas, com outros habitantes de Vrndãvana e
com as vacas eram todas cheias de felicidade. Toda a população de Vrndãvana só queria saber de
Krishna. Mas o Senhor Krishna chegou mesmo a dissuadir Seu pai Nanda Mahãraja de adorar o
semideus Indra, porque Ele queria estabelecer o fato de que as pessoas não precisam adorar
nenhum semideus. Tudo o que elas precisam é adorar o Senhor Supremo, porque sua meta última é
retornar à Sua morada.

Extraído da Introdução do livro "Bhagavad Gita Como Ele É", de A. C. Bhaktivedanta Swami
Prabhupada.

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